Coronaflip e o valor do erro.
- Gabriel Matta
- 30 de abr. de 2020
- 4 min de leitura
No dia 17 de Abril de 2020 o canal Braille Skateboarding carregou um vídeo em seu canal de YouTube apresentando uma manobra criada pelo skatista Aron Kyro, o Coronaflip. A manobra é uma combinação de um Varial Heel com um Casper Stall e um Impossible. Assim como você eu também não consegui visualizar a manobra apenas com a descrição e recomendo que assista ao vídeo.

O que me despertou interesse em escrever sobre esse vídeo é a documentação do processo de criação de uma nova manobra. Kyro cita no início do vídeo que cogitou a possibilidade de execução da manobra enquanto treinava movimentos de skate freestyle e que a partir daí buscou colocar sua visão em prática.
Skate é um esporte onde a criação e a prática são intensivamente empíricas, dificilmente ao tentar uma manobra nova o indivíduo acerta na primeira tentativa. E mesmo que acerte são necessárias centenas de tentativas para que seja feita com "plena confiança". O processo de aprendizagem consiste em tentativas, erros e acertos. Durante a aprendizagem a proporção de erros é infinitamente maior à de acertos. Daí então podemos fazer a seguinte pergunta: como surge uma manobra de skate?
No skate as manobras surgem do erro.
Em uma entrevista cedida ao The Berrics em 30/04/2020 o skatista Rodney Mullen explica o processo de criação de uma das manobras mais populares do skate, o flip. Mullen explica que estava tentando melhorar a técnica de impulso do seu Ollie quando em uma destas tentativas ele ejetou da manobra causando o giro do skate e naquele momento ele vislumbrou ser possível girar o skate. Como dito na entrevista:
"Quando eu desisti da manobra o skate repentinamente girou e caiu nas quatro rodas, quase como se estivesse zombando de mim o skate caiu nas quatro rodas. Depois disso eu passei a buscar o giro propositalmente."
Ainda na entrevista Mullen explica que todas as manobras que ele criou depois como o varial-flip e o kickflip são uma variação do flip que em suas raízes é uma variação do ollie.
O skatista que criou mais de 270 manobras e fundamentou o skate street como é conhecido atualmente afirma que seu primeiro vislumbre de uma manobra revolucionária como o flip só se deu graças à um erro.
Como dito anteriormente o erro é fator principal no processo de aprendizagem, mas e se o erro fosse também o catalisador de novas manobras? Observe as imagens abaixo:
Na primeira imagem temos um backside 50-50 e na segunda um backside smith. Perceba que a principal diferença entre as duas é a posição dos trucks da frente, no 50-50 ambos os trucks estão sobre o coping enquanto no smith apenas o traseiro está apoiado no coping.
Ao observar isso podemos nos fazer um questionamento: não seria um Smith um 50-50 no qual o timing de posicionamento dos dois eixos não foi preciso? Da mesma forma que o Flip de Rodney Mullen foi um Ollie "mal executado" acredito que grande parte das manobras de skate são vislumbradas através de um erro inicial e as interações entre sujeito, ferramenta e ambiente.
No skate existem três tipos de interações principais, são elas:
Skatista↔Skate
O exemplo mais claro e puro seriam as manobras de solo onde a interação do praticante com o skate que compõem a manobra, porém ela é uma constante inerente ao skatista a todo momento.
Skate↔Ambiente
Neste tipo de interação o skatista passa a ser apenas o motor mas não o agente da ação em si. Quando fazemos um 50-50 a estrutura que DE FATO está agindo sobre a manobra são os trucks e não nossos pés ou pernas. Portanto podemos entender essa interação como as formas pelas quais o skate pode ter contato com o ambiente sendo então definido como todo os espectro de slides, grinds e afins.
Skate↔Ambiente↔Skatista
Aqui temos o skate propriamente dito, aqui as duas interações anteriores se complementam formando o skate como prática, ou seja, é o tipo de interação mais complexo e ainda assim o mais primordial ao se andar de skate.
O que essas interações nos dizem a respeito do skate?
Essas interações nos mostram que o skate é uma atividade extremamente maleável e adaptativa. Podemos ver duas pessoas realizando a mesma manobra e ainda assim as manobras serem completamente diferentes, essa diferença nada mais é do que o estilo do skatista imposto sobre aquela manobra, ou seja, o skate se adapta ao skatista.
Ainda temos de considerar as implicações que o ambiente tem sobre o skatista, um exemplo disso é James Griffin (@_jamesgriffin) que por morar em uma região onde chove praticamente todos os dias teve de adaptar seu modo de andar de skate a ambientes menores, acabando assim por desenvolver manobras inusitadas que são difíceis de se entender sem o auxílio da câmera lenta.
E daí?
Com tudo que foi apresentado podemos concluir duas coisas. A primeira delas é de que o errar no skate não apenas é parte fundamental do processo de aprendizagem como também berço de inovações.
A segunda, é que através do erro é possível interpretar as formas como o skatista interage com o ambiente e vice-versa. E isso também é um dos agentes de transformação no skate.
Estamos atualmente em um período de diversas restrições e talvez seja o momento de usar essas limitações para expandir nossas concepções do que se é possível fazer, seja no skate ou em qualquer outro aspecto da vida. Você tem o potencial de transformar a sua realidade.
FIQUE EM CASA, FIQUE BEM!
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